O BRASIL CRUCIFICADO
É com pesar no coração que constatamos grande parte dos templos católicos fechados durante a Semana Santa, a mais importante de todo o calendário litúrgico. E isso pelo segundo ano consecutivo. Qualquer cérebro, por mais ingênuo que seja, se fará esta pergunta: será proposital? Não há como negar a coincidência.
Em 1500, quando o Frei Henrique de Coimbra celebrou a primeira missa no Brasil, ao menos ele tinha em sua assembléia a tripulação das naus portuguesas e alguns índios. Hoje, milhares de padres celebram as missas sozinhos (em caráter privativo) ou se consolando com as transmissões online, embora distantes do próprio rebanho.
Acompanhando o noticiário e o desenrolar da política nacional, o que vislumbro na atualidade é um Brasil crucificado. Assim como o Nazareno foi um dia, vai a nossa nação sendo presa e torturada, crucificada e morta por cruéis algozes. Eis os torturadores com suas narrativas e números duvidosos, distorções e relativizações, causando confusão e horror.
Primeiro, o Brasil foi preso. Com nomes novos como "lockdown" ou "isolamento social", milhões de brasileiros e brasileiras foram trancafiados na própria casa. Quer algo melhor para um governante maldoso? Nem gasto com encarceramento há, uma vez que a população se tranca na própria residência. A desculpa inicial, de ficar em casa a fim de preparar a rede pública de hospitais, não cola mais. Parece que o objetivo nunca foi esse e sim o de restringir o sagrado direito de ir e vir, de estar e circular em locais públicos.
Depois de sua prisão, o Brasil foi torturado. Aliás, está sendo até agora. A tortura vem através do terror psicológico dos noticiários, perfeitamente formatados para causar instabilidade mental na maioria das cabeças incautas, cheias de neuras e com o medo a lhes apavorar ao simples estalar de dedos. Em certas situações ficou óbvio que grande parte das pessoas perdeu o restinho de lógica e raciocínio que lhes restava. Isso é uma auto-tortura, que a própria pessoa se faz e nem percebe. Quer coisa melhor para um governante maldoso? Torturar sem precisar de carrasco, pois o próprio torturado é quem se tortura a si mesmo?
Em seguida à sua prisão e tortura, o Brasil foi crucificado. Os brasileiros sempre carregaram uma cruz pesada por nascerem, viverem e amarem este nosso país. Porém, agora milhões de trabalhadores são crucificados diariamente com os enormes cravos do desemprego; do impedimento de trabalhar e assim ganhar o pão de cada dia; da vergonha de depender de esmola governamental com o bonito nome de "auxílio". Um homem e uma mulher de bem não querem ajuda: querem a chance de trabalhar. Eis outro direito sagrado arrancado à força das mãos do povo.
Crucificado, o Brasil definha. Não se sabe até quando suportará a agonia de vidas se perdendo e mentes virando geléia. Não se vislumbram quantos direitos ainda serão ceifados à vista de todos. Não se tem idéia de quanto tempo levará para a economia e a dinâmica social reviverem. Sabe-se apenas o que virá nas próximas horas: mais dor e agonia, mais lágrimas e espasmos do povo brasileiro.
Em 1893 o escritor Raul Pompéia (1863-1895) publicou a charge "O Brasil Crucificado Entre Dois Ladrões". Naquele tempo, foi muito criticado por isso. Acabou suicidando-se dois anos depois, num dia de Natal. Hoje ele ficaria ainda mais estarrecido ao ver o Brasil sendo crucificado por centenas de pequenos e grandes bandidos que roubam dos brasileiros e brasileiras a alegria de viver, de freqüentar uma praia ou um parquinho, de vender na rua o seu sorvete, de andar com o rosto livre, indo e vindo para onde quiserem, sem dar satisfações a algum ditadorzinho tupiniquim de plantão.
Cristo venceu a cruz, venceu a morte e ressuscitou. Com fé, milhões de brasileiros esperam vencer igualmente a cruz, sem que a morte leve mais pessoas não só por causa de uma doença, mas também pelo desemprego, pela fome e por tantos mandos e desmandos de governantes inescrupulosos. Nosso povo quer ser livre novamente, sem os cravos gigantes que atualmente estão em suas mãos e em seus pés. Isso sem contar a coroa de espinhos sangrando a consciência de muita gente realmente inocente em meio ao caos.
Que o nosso sofrimento não seja em vão. Tiremos, desses tristes meses, algum aprendizado. Confiemos mais em Deus e menos nos mesquinhos mecanismos do mundo. Confiemos mais uns nos outros e na nossa capacidade de, mesmo em meio ao tormento, oferecer o que temos de melhor a quem esteja precisando e que, muitas vezes está bem ao nosso lado, pertinho da gente.
A cruz existe. Mas a tortura tem dia e hora para acabar. O Brasil vai ressurgir, se buscar força em Deus e lutar com unhas e dentes por seus direitos inalienáveis. É para a liberdade que Cristo nos libertou, para que tenhamos vida e vida em abundância.
Amém.
(Pe. Sala é jornalista e escritor, professor e teólogo, membro da Academia Ituana de Letras)