LÁPIS

A modernidade tem inúmeras vantagens. Porém, como nada é perfeito neste mundo, as coisas novas têm lá suas desvantagens também. Nada tão fácil, hoje em dia, do que redigir textos num computador e até mesmo num telefone esperto, o tal smartphone.

E deve ser assim mesmo. A realidade atual exige agilidade e os aparelhos eletrônicos de comunicação ajudam bastante. Acontece que as gerações mais novas, já habituadas a tudo fazer com o toque digital, estão perdendo experiências ancestrais. Apontar um lápis é uma delas. Quem ainda os compra? Quem os utiliza?

A missão do lápis é tornar possível a escrita. Na atualidade há inúmeros modos de cumprir a tarefa. A união da madeira e do grafite pode até parecer antiquada para alguns. Porém, usar um lápis nos faz pensar na vida, em nós mesmos e na finitude das coisas.

Assim como nós, o lápis sente o desgaste natural ao longo do tempo. Com o intenso uso do grafite, sua ponta vai se tornando grossa e se faz necessário um apontador. A lâmina desbasta a madeira, a ponta do grafite se renova, mas há um custo para isso: o lápis fica menor. Apontar o lápis é fazê-lo sofrer por um bem maior. É uma troca de pele, uma renovação, num ciclo que vai ter fim.

Preservemos a ponta, então. Mas aí acontecem os imprevistos. O lápis vai ao chão ou alguém o força com mão pesada demais. A ponta se quebra antes do previsto. E não é assim a nossa vida? Quantas situações nos acontecem na base da surpresa? Quantas pontas se quebram sem horário, nem agenda?

Se o apontador é um seu auxiliar, não pode faltar ao lápis a companheira borracha. Há alguns que até a trazem na outra ponta, coisa bem prática. Pois se a missão do lápis é escrever, a função da borracha é corrigir. Nem tudo que se escreve corresponde à realidade. Nem tudo que se escreve deve ser mesmo escrito. Nem tudo que se escreve acaba o sendo de modo inteligível.

A borracha é a amiga sábia de um bom lápis. Ela apaga, dá outra chance, limpa o caminho para que se escreva tudo outra vez e de forma nova, melhorada. Um lápis, sem borracha, é como alguém que não se converte. Ele apenas escreve, a torto e a direito, inconseqüentemente. A borracha traz segurança ao lápis: se ele errar, há como voltar atrás e recomeçar.

Um bom lápis cumpre sua missão até o fim, ou seja, até virar toco. Com o passar do tempo ele fica pequenininho, mal cabe na palma da mão e os dedos não conseguem mais manejá-lo. É a hora do adeus, de ceder o lugar para outro lápis mais novo e funcional. Apontadores e borrachas não se preocuparão mais com ele, seu ciclo chega ao fim.

Terminada a missão do lápis, há quem os guarde numa gaveta para preservar sua memória. Sim, tem quem faça isso. Os amantes da escrita à moda antiga não compreendem simplesmente jogar no lixo um companheiro que serviu por tanto tempo. Se não serve mais para escrever, aquele toco de lápis deixou muita coisa escrita. Tem um legado, merece respeito. Numa sociedade em que vem se tornando normal descartar pessoas, como exigir uma tal sensibilidade?

Temos muito em comum com o lápis. Ao fim e ao cabo, a gente é que escreve a nossa própria história neste mundo. Se soubermos colocar a nossa vida nas mãos do grande Autor de tudo, que é Deus, seremos auxiliados a escrever a história da nossa salvação, rumo ao Céu. Vamos nos desgastar, sofrer as dores dos apontadores e as correções das borrachas. Mas se no fim deixarmos muita coisa boa escrita, teremos cumprido a nossa missão.

Amém!

(Pe. Sala é jornalista e escritor, professor e teólogo, membro da Academia Ituana de Letras)

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