IR PARA O CÉU

A questão da transcendência é ponto pacífico, um dado antropológico. Todos os grupamentos humanos, nas mais diversas épocas e lugares, manifestaram a crença na continuação da vida após a morte. Culturas desenvolvidas e até mesmo as menos avançadas, sempre tiveram seus rituais fúnebres nos quais preparava-se alguém para a nova etapa da eternidade.

Discutir sobre a vida após a morte é válido, como exercício dialético. Do ponto de vista teológico, os cristãos já tiveram revelados tudo o que é necessário. Jesus Cristo deixou evidente, em muitíssimos trechos do Evangelho, a verdade de que esta vida presente, terrena e com data de validade, vai acabar um dia. E que, na seqüência, inicia-se a vida eterna com a questão da destinação da alma. Para onde vamos depois? Céu, Inferno ou Purgatório?

A pessoa mais poliana do universo há de convir que esta vida atual é um mero rascunho, uma imitação barata de tudo o que nos está reservado na eternidade. Paulo Apóstolo dirá que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e que ninguém consegue conceber a maravilha que é a próxima vida. É algo tão bom que, sempre que perguntamos a alguém se deseja ir para o Céu, a resposta é imediatamente positiva.

Acontece que, logo após perguntar sobre o Céu, engata-se outra questão: quem quer morrer? E a resposta, então, é imediatamente negativa! Chega-se a um dilema que, na verdade, é tão e somente uma contradição lógica. Como ir para a eternidade sem antes morrer? Não é possível. Quem não morre, não vê Deus. É algo tão impossível quanto Lula votar em Bolsonaro e vice-versa.

No fundo, esta é a manifestação cabal do materialismo prático na vida das pessoas em geral. Dizem amar a Deus, afirmam querer o céu, mas na verdade ainda preferem o pó deste vale de lágrimas. Intimamente, não querem ver a Deus de verdade e tampouco trocar o shopping pelo Paraíso.

Trata-se também de uma supervalorização das coisas terrenas. Igual a alguém que, tendo um Fusca, atribui-lhe o valor de uma Mercedes-Benz. Com todo respeito ao Fusca, o Wolksvagen mais amado do mundo, uma Mercedes é e sempre será uma Mercedes. Não tem comparação.

Assim também o antagonismo entre esta terra e a eternidade no céu. Não há como se comparar. Aqui, os seres humanos já nascem chorando e levando tapa, na cara ou na bunda. Estamos diariamente expostos ao pecado, a doenças e perigos mil, aos acasos da vida e a inúmeras situações de perigo. Aqui, lidamos com frustrações e raivas, com medos e dependências de todo tipo.

Nesta terra somos obrigados a lutar diariamente contra o Mal, a comer o pão de cada dia obtido com sangue, suor e lágrimas. Aqui, estamos expostos à maldade dos inescrupulosos e infelizmente, muitas vezes, acabamos fazendo parte da mesma corja que condenamos e que dizemos combater.

Eu quero é ir pro Céu! Eu quero o Paraíso! Não tenho pressa, claro. O dia e a hora, o tempo e o momento, estão nas mãos de Deus. Se o Criador soube a hora em que me quis neste mundo, saberá também o momento em que devo deixar esta vida terrena.

O importante é estar preparado, de malas prontas pro andar de cima e com o bilhete na mão. A consciência tranqüila e algum legado para servir de inspiração às gerações futuras, são a verdadeira Magnum Opus de todo ser humano. Triste é ver tanta gente auto-iludida, querendo chegar ao Céu sem levar esses e outros importantes itens na bagagem...

Quando vier a morte natural, nosso Anjo-da-Guarda há de perguntar: "Chegou a hora! Quer ir pró Céu?". Que nossa resposta seja positiva, sem receios. E que estejamos preparados. Ninguém escapa da morte e ela deve ser esperada como uma amiga, como fazia São Francisco de Assis: "A irmã Morte? Como ter medo dela? É ela quem me tomará pelas mãos para me colocar no colo de Deus!".

Amém!

(Pe. Sala é jornalista e escritor, professor e teólogo, membro da Academia Ituana de Letras)

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